segunda-feira, dezembro 24, 2007

a kick in the teeth.


Uma mala resvalou para o chão, caindo com pouco estrondo. Não estava muito cheia, pensou. Pelo menos para o que era habitual, quando mal a conseguia levantar para ela ser pesada no aeroporto. Não. Desta vez era diferente. Ergueu-a sem custo, pegou na mochila e quedou-se à porta do quarto, olhando-o por uma última vez. Vivera ali bons momentos. Mas aquelas paredes brancas estavam já cheias de memórias guardadas, não aguentavam mais. Os posters caíam, a secretária minguava, a cama definhava, e espremia-o para fora.
Sorriu e bateu com a porta, avançando decidido para a porta da rua, que fechou sem hesitar. Cá fora, subiu para o carro e acelerou de mansinho, em direcção à bomba de gasolina. Carrinha atestada, pulou de alegria e entrou de súbito. Saiu, e fez-se à estrada. Mal viu que a cidade ficava para trás, rejubilou, riu-se descontroladamente. Depois, não sabendo que mais fazer para assinalar a sua liberdade, abriu os vidros e deixou que o vento lhe desentaramelasse os cabelos escuros, gritando para o nada a música da sua alma.
Não era a primeira vez que o vento tocava nos seus cabelos daquela maneira. Mas era decerto a definitiva. Não mais voltaria àquela cidade queimada pelo sol. Atravessaria fronteiras ao som do roncar daquele motor germânico, sempre rindo de tanta felicidade, sem nada que o perturbasse, nem chuva, nem sol, nem tufões levariam aquele carro e ele próprio para algum lado que ele não quisesse. Não. Desta vez era diferente. Agora era de vez. O seu limite era o horizonte desértico que avistava, línguas e costumes diferentes, sem longos trapos frágeis a deterem-no.
Desta vez era diferente. E não podia esperar para viver todos os dias do resto da sua vida.
E com este pensamento, acelerou a fundo, cantando a uma só voz a música da sua liberdade eterna.

oh well, that happens.

A minha vida mudou. A minha vida mudou e alguém se esqueceu de me avisar. Agora tudo mexe rápido, serpenteia sem descanso em meu redor, perante a minha incapacidade. O que fazer? Dançar também. Mexer-me ao ritmo do meu novo batimento cardíaco, veloz, para um lado, para o outro, sem pensar em parar, ouvindo tudo o que consigo, absorvendo, prestando atenção a cada detalhe, fechar os olhos e sentir. E continuar em frente. Sempre sem parar. Antes que o antigamente me apanhe e me envolva também ele. Fazer de tudo uma festa, uma ocasião única, um momento efémero, sentido a um só fôlego. E continuar para a frente!, sempre a frente, rastejando entre sensação e sensação, em busca de algo diferente, frenético.

sexta-feira, novembro 09, 2007

stone at the school street.


Ao sair do metro, desci a rua pé ante pé, mirando tudo e todos com inusitada curiosidade. Olhos sonolentos e pernas dormentes, escorreguei alegremente rua abaixo, sem rumo nem norte que me guiasse. Sabe tão bem. Não ter um destino certo. Poder navegar pela calçada, ser turista no nosso próprio mundo. Fingir que nunca vimos isto, e aquilo, e aquela cor tão berrante, e aquele cruzamento tão perigoso onde fantasiei aquela história infindável de loucura e sonolência.
Até a luz que me bate nos olhos é outra. Forte sem queimar, suave sem desaparecer, um fio ténue de vida que me ilumina o caminho que eu finjo não saber qual é. E agora, para a esquerda? Em frente, pelo meio do jardim até ao precipício que eu sei que existe mas que não hesitarei em alcançar porque neste momento de nada sei? Ou para a direita, rua abaixo, pequenos formigueiros humanos entre a parede e os carros, aos gritos pela injustiça da vida?
Direita, claro. Que mesmo sabendo que não posso saber que está ali o mar, para ali me chamam, as pessoas, os animais, as árvores, para ali vou eu. Em passo acelerado, descontrolado, levado quase em mãos pela turba citadina. Olho para a direita. Relâmpagos de noites mal bebidas, chafurdando na sarjeta daquelas ruas estreitas de cigarro numa mão e companheiros de Baco na outra. Que estranho agora auscultar aquele pulmão da cidade de dia, deserto de pessoas, com grávidos de cerveja tropeçando nos degraus das casas. Tamanha diferença quase me faz imobilizar meu pesado corpo ali, mas não consigo. A descida é demasiado fácil, e a praça já ali está, povoada de seres como sempre. Mas são seres diferentes, com tarefas e afazeres variados, que não se quedam prostrados nos bancos à conversa. Estranho, muito estranho.

(e, de repente, já não me sinto tão livre e leve como a tal pena do outro, e navegar sem norte não é já tão glorioso, que a nau desfraldou-se e postrou-se à deriva, sem a possibilidade de variados destinos à sua escolha. Não, não é bom não ter destino certo. O que é bom, é poder escolhe-los. Basta ter a coragem de o fazer. E isso, olha que merda!, é dificilzinho. Damn.)

domingo, setembro 30, 2007

herbalist.

Sempre gostara de chuva. Do seu rumor trepidante nos estendais da roupa. Da sua tonalidade cinzenta, escorrendo pela vidraça rumo ao desconhecido. Espreitando do seu oitavo andar, mirava os guarda-chuvas circulando entre os lençóis de água, as árvores abanando a copa carregada e agitando os ventos, que se abatiam com estrondo nos vidros. Adorava a sensação de desintoxicação, que lhe percorria e filtrava os poros em dias de louca correria entre as poças. Queria ir ali para o meio, parar no centro da tempestade, ensopar-se de água. Queria um rio só para si, que mantivesse o seu ser afastado de tudo aquilo que não queria.
Pena que os seus medos soubessem nadar.
(e bem).

sexta-feira, setembro 07, 2007

le moulin d'Amélie Poulain.

Ela gritou, esperneou, ofendeu-me. As palavras atingiram-me em cheio na cara e no coração, esventraram meu corpo sem dó nem piedade.
Com as lágrimas caindo solitariamente pela bochecha, salgando-me a boca, penso apenas na falta que me fazes. Penso tanto nisso que choro ainda mais, de mãos cerradas e apertadas, alma a nú. Queria-te tanto aqui, o teu abraço sempre demasiado pequeno para me envolver mas bastante. Bem sei que isso não vai acontecer, e que bem posso morrer aqui na água salgada do meu corpo. Mas as saudades que sinto de ti fazem-me morrer respirando ainda cada sopro de ar, sem hesitação. Porque nada me faz desistir da ideia de que, um dia, me aparecerás, pequena e sorridente, cara de idiota chapada, abraçando-me novamente. A esperança desse encontro faz-me levitar, lacrimejar pequenas gotas de alegria pelo meio do sal triste. Decerto que amanhã não será a véspera desse dia, but honey, o Abraracourcix há-de estar enganado um dia deste, e, nesse dia, sugarei de ti tudo aquilo a que tenho direito. It ain’t over til it’s over!

Pois.


This is how it works
You're young until you're not
You love until you don't
You try until you can't
You laugh until you cry
You cry until you laugh
And everyone must breathe
Until their dying breath

No, this is how it works
You peer inside yourself
You take the things you like
And try to love the things you took
And then you take that love you made
And stick it into some
Someone else's heart
Pumping someone else's blood
And walking arm in arm
You hope it don't get harmed
But even if it does
You'll just do it all again.

"on the radio", Regina Spektor.

sexta-feira, julho 13, 2007

correio.


Sentas-te no escuro da tua janela do telhado, e suspiras. Só queres sair da tua vida, levitar do teu corpo imperfeito e olhar para ti, para a tua figura ridícula e cirandante pela vida. Misteriosa e vulgar entre milhares de outras.
Queres sentir-te único, de uma cor diferente, maior que os outros. Queres cantar, gritar, chorar, ser notado, ser feliz, ser triste, viver. Tens inveja dos outros, não queres que eles tenham mais que tu. Não acreditas no sonho de ser feliz nos subúrbios com um casal de gémeos e um Labrador dourado. Achas que para ti tudo vai ser diferente, nunca nos moldes dos outros. Que nunca vais ser mais uma cara sonolenta na manhã da cidade, quer dentro do metro, quer dentro de um Audi de dez metros. Tu queres ser diferente. Viajar de manhã à noite, sorrir em várias línguas, escrever palavras famosas, elaborar teorias incompreensíveis, pintar uma tela com as cores da tua vida, filmar o enredo perfeito. Queres ser tudo ao mesmo tempo, sem demora nem entraves.
Mas queres tanta coisa que a tua vista fica confusa. Não consegues discernir o bem do mal, vives num mundo ilusório, e não consegues sair desse teu canto no meio dos ninhos. És fraco, tens medo, não queres sujar-te, não queres sofrer. E não queres que os outros sejam diferentes de ti. Não admites o sucesso alheio, apenas o fracasso similar. Porque se tudo ficar igual, então nada em ti fracassou.
Mas o mundo gira. E mais tarde ou mais cedo vais perceber que enquanto estiveres aí de pernas enlaçadas, virado para ti mesmo, imóvel na tua solidão inexistente, tudo vai mudar, e tu não vais fazer parte da mudança. E que a tua solidão inexistente se vai tornar existente e avassaladora, e te vai pregar para sempre a esse chão polido.

domingo, junho 10, 2007

one day in sunny June.


Sentei-me debaixo do sol, óculos escuros e livro. Não do sol da praia. Do sol do campo, daquele que queima sem ser insuportável. Na quietude da pradaria do sul perdido deitei-me e esperei. Esperei que os pensamentos me assaltassem, que a minha vida me passasse trinta vezes à frente e fosse quadrilhada outras trinta e tomadas resoluções nunca cumpridas que fazemos para acalmar o ego desconfiado da decadência.
Dei por mim a pensar em ti. Dos anos que passaram desde a ultima vez que nos tocámos. Dos milénios que passaram desde que caiu o Carmo e a Trindade atrás do Carmo naquela parede de rua estreita. O tempo que passou desde cartões de credito estoirados e saldo bancário no vermelho. E dou por mim a suspirar. É engraçado como o tempo suaviza as coisas, levanta de mansinho e leva para o recanto do cérebro onde acumulamos as folhas soltas, aquelas em que nunca tocamos e que se enchem de pó, e nos fazem espirrar quando nelas pegamos. Os tempos de cólera deram lugar à indiferença, a implacabilidade deu lugar à indiferença. Indiferença profunda. Tão profunda que já nem possibilitas um texto poético, calejado e metafórico, a comparar-te a demónios e Heras malvadas. Já só mereces esta prosa, sem sal, corrida, sem emoção ou ardor. E é triste, que não há nada melhor que ter um ódio de estimação. Odiar tão visceralmente ao ponto de sentir o sangue a correr. Já não és uma folha solta, levaste um carimbo em cima, castanho e comido pelo tempo, e foste despachada para o arquivo. E agora só me vou lembrar de ti cada vez que me puser ao sol e começar a pensar na vida. Se tanto. Porque daqui a dois minutos já vou estar a pensar que devia vir morar para o campo e que tenho que ler o livro que tenho na mão, que ele não é meu e a dona há-de dar pela falta dele.
Que pena.

quinta-feira, junho 07, 2007

don't shiver.

Todas as noites era o mesmo. Alcatrão fora, o carro roncava solitariamente, saltando de faixa em faixa. Depois virava à direita, passava junto aos pássaros que pareciam o que não eram, curvava perigosamente pela terreola e estacava, de súbito, no início daquela descida. Deslizava de mansinho, até parar lá em baixo, arfante. Uma porta abria-se, uma pessoa precipitava-se lá para dentro e o vento fechava a porta, enquanto a luz se apagava e o silêncio quedava-se de novo, naquele recanto escondido da montanha do mar.

quinta-feira, maio 17, 2007

r i s e

(Ele não sabe bem quando foi. Cheira-lhe, cheira-lhe, que foi quando deram a mão por entre música e gritos. E daí, talvez não tenha sido. Mas que interessa quando foi a primeira vez? O arrepio continua lá. Espinha acima é que é o caminho. Foda-se!)

sexta-feira, abril 27, 2007

i miss you.


Vivera ali a sua infância, pelo meio daqueles muros pálidos que feriam a vista nos dias de calor constante. Parecia que tinha sido ontem que, carro abastecido e de panela rota, arrancara a toda a velocidade até ver aquela brancura desaparecer no espelho retrovisor, e se fizera à auto-estrada da vida, em busca do seu lugar ao sol. Mas debaixo de um sol que não queimasse tanto, como ali, e não tolhesse os raros movimentos de lavoura, de tentativa de fazer algo produtivo.
A sua partida fora cruel, decerto. Mas não a imaginava de outra forma. Não se via nem nunca se tinha visto amarrada àquele sítio, lavrando a terra entrapada em negro, reclamando da chuva e do sol e vivendo sob os desígnios da natureza, por entre moscas e melgas. Como a mãe. Enquanto ela tinha fugido estrada fora e cheirado o sucesso noutras paragens, a mãe ficara ali, estática no espaço e no tempo, na solidão das horas. Até àquele dia.
Pensara, no longo caminho pela planície, que ao ver a sua mãe descer à terra, se sentiria mal por tê-la abandonado na sua casa e na sua aldeia, no meio do isolamento da pradaria sem fim. Mas agora que via o caixão descendo pelo meio do choro das carpideiras, sentia que tomara a decisão certa. Não que a mãe não lhe fizesse falta. Nada disso. Nem sequer a visitara muitas vezes depois da sua fuga intempestiva e rebelde. Mas bastava-lhe sabê-la presente, ali, naquele fim de mundo. Não lhe importava que estivesse longe como tudo. A certeza de a saber lá, esperando o constante regresso da filha malvada, sempre com os pozinhos do café e do leite à mão para as eventualidades da chegada da fugidia, que nunca soubera como fazer-lhe companhia. Saber que se precisasse de um ombro conselheiro e de um afago terno bastava-lhe fazer-se à estrada e num ápice a mãe faria com que tudo ficasse melhor
As pessoas da aldeia que tinham comparecido ao funeral olhavam-na de lado, como uma estranha. Sabia que elas não lhe perdoavam o abandono prematuro da mãe. Mas ela sentia que a mãe lhe perdoava. Que desesperara à sua espera, na sua cadeira de baloiço, e chorara madrugada adentro, mas que percebera que a sua índole era demasiado explosiva para ser encerrada naquela terra sem futuro, apenas com um passado de resistência às adversidades campestres, sem mais ambição que não fosse colher da terra o sustento e queimar ao sol a pele crestada do trabalho.
As pessoas começavam a dispersar. Por isso, sentiu que estava na hora de abandonar aquele sítio. Solitária, palmilhou o caminho de volta lentamente, medindo cada passo que dava na calçada. Olhava em volta. Já nada a prendia ali. Sem a mãe, aquela terra perdia o seu significado, era mais um nome perdido no mapa, povoada de velhos destroços. Estava na hora de seguir em frente.
Entrou no seu carro, agora topo de gama e novinho em folha, e avançou em direcção à saída da aldeia. Acelerou a fundo, mas depois abrandou bruscamente, e olhou o espelho retrovisor. Na bruma que saltava do alcatrão fervilhante, uma mulher de negro abanava um lenço, paz estampada na cara e meio sorriso. Ela fechou os olhos, abriu o vidro e respirou fundo e pela última vez o aroma do seu porto de abrigo. Cheirou-lhe a terra, à fruta madura que apanhava na casa do vizinho, ao perfume da mãe, às quedas que deu da única árvore do seu terreno, à sua casa doentiamente limpa, aos cozinhados da mãe, ao primeiro beijo com o rapaz mais bonito da aldeia que tinha três dentes tortos, à primeira ida à escola, ao seu primeiro cigarro, ao verão tórrido, ao Inverno polar. A sua infância num só suspiro.
Depois acelerou novamente, e pensou ouvir o som da panela rota, enquanto os seus cabelos esvoaçavam como outrora, carregados de sonhos e ilusões.

terça-feira, abril 24, 2007

how to save a life.


Odeio casais felizes.
A maneira como se passeiam ostensivamente na rua, mão entrelaçada e olhar sonhador. O modo como entram sorrateiramente no cinema e se põem à minha frente, gemendo deliciosamente. Como se olham intensamente, sem falarem, comunicando telepaticamente sentimentos recentes e com laivos de eternidade. A maneira como brilham mais que todos os outros. Como se beijam torridamente no início, no meio e no fim do seu tete-a-tete, como se quisessem parar naquele momento para sempre e nunca mais sair dele, fotografá-lo e emoldurá-lo com pompa e circunstância no meio de uma salva de palmas. O modo como sonham e mordem o lábio de desejo e saudade. A maneira como gritam no vácuo da sua imaginação o nome da pessoa amada. A maneira como ouvem uma música on and on porque a escolheram para simbolizar o seu amor. O facto de não se largarem. O modo como se beijam ternamente num semáforo que dura três segundos e meio, e riem entusiasticamente quando a pessoa de trás (eu) apita freneticamente, que tenho uma vida lá fora. A mania de ajeitarem o cachecol e o chapéu um do outro, para que tudo rime e nada soe falso. O apego constante ao telemóvel, o sorriso quando atendem que não se apaga quando desligam, a raiva e as lágrimas quando a bateria falha. A maneira como dizem o nome da pessoa amada, com mel e sonoridade únicas, fazendo o nome propagar no ar e zunir nos ouvidos, perfeito e límpido. Os joguinhos de sedução em que um finge que não quer nada com o outro mas afinal já quer e fica chateado quando o outro não quer e chora baba e ranho e depois descobre que afinal foi tudo um equívoco que a pessoa nunca se foi embora e que o seu gâmbito de ser feliz para sempre ainda se pode realizar a tempo e horas. O facto de acharem tudo uma seca se o consorte não estiver presente, a maneira como correm em direcção ao fim do mundo para vê-lo, nem que seja por dez minutos. A maneira como se seguem para todo o lado, lapas recheadas de sillyness, rindo por tudo e por nada com um riso bem colocado e audível, para que todos percebam que estamos perante a felicidade alheia. A quantidade de vezes que ela escreve o nome dos filhos com os nomes próprios e os quatro apelidos perfeitos para melhor se adaptarem à vida perfeita na casa perfeita com os cães perfeitos, os carros perfeitos, os empregos bem remunerados e reluzentes de tão perfeitos, as empregadas portuguesas e perfeitas, o jardim perfeito e a escola perfeita, tudo a condizer numa bimbice cor-de-rosa e bege. A maneira como ele a enche de presentes idiotas que ela olha com cara de má porque acha um desperdício de dinheiro, mas que não lhe faz muita impressão porque a sua ideia de perfeição familiar tem que começar por algum lado. O modo como morrem um pelo outro, os ciúmes idiotas que sentem de cada barata que se aproxima, o medo que têm de chegar ao fim da linha e saber que todo o verão tem um fim. A mania de que esse dia nunca vai chegar.

(mas não consigo deixar de sorrir apanascadamente por detrás dos meus óculos de sol quando os vejo subindo o Chiado, ela apoiada no braço dele, agarrando para não largar, rindo para o sol, e a ele, rindo condescendentemente para ela, feliz da tarde perfeita dourada pela luz solar ainda mais perfeita que só pode augurar, ora essa, a perfeição de toda uma vida. Ai! [suspiro]).

domingo, abril 01, 2007

the pursuit of happiness


“a felicidade são momentos, pá”, disse ela, sorrindo.
Claro que são momentos. Senão metade de nós andava a bater com a cabeça nas paredes, abrindo fendas no nosso coração, enquanto não ouvíamos o galope do cavalo da luz. Isto se ele viesse. Que se não, fenda mais fenda dá ruína total, e morte no deserto por falta de água.
Os momentos matam-nos a sede, dão-nos mais umas indicações na areia, lambem as feridas, remendam os trapos. E fazem-nos crer que para lá da areia branca e infinita há um oásis, onde poderemos finalmente cair para o lado com a certeza de dois braços prestáveis e fortes para nos segurar.
Mas que fazer quando até esses momentos preciosos se esvaem por entre os dedos? Cair na areia e secar ao sol?
Nunca.

sábado, março 24, 2007

Just keep trying, it’s just a matter of timing.


Cinco segundos antes, arrependeu-se. O seu pé preguiçoso estendeu-se e alcançou a vida novamente. Travou a fundo em cima do risco, e, cobardemente, fechou os olhos, num medo nunca antes sentido. Quando viu de novo o mundo, descobriu-se vivo. Não soube se devia rir ou chorar, por isso limitou-se a jazer sobre a poeira dos pneus alemães, recostando-se no seu banco alargado pelo tempo.
Não soube explicar a travagem súbita. Quando tinha premeditado aquilo trinta vezes seguidas sem cessar, de sorriso nos lábios. Estúpido.
Acendeu nervosamente um cigarro e abriu a janela, inspirando o ar da noite muda. Acalmou-se um pouco, suspirou longamente, e ligou o carro.
“Talvez para a próxima”, pensou, e varreu a noite com os faróis acesos, avançando em marcha lenta estrada fora.

domingo, março 11, 2007

volta depressa, por favor.


Tinha chegado a hora. Tremendo por detrás dos seus óculos de sol, com dezenas de olhos cravados em si, apertou a pequena caixinha de madeira contra o seu peito. Toda a sua vida estava ali. A sua razão de respirar ainda e sempre cada sopro de ar. Temia engasgar-se, agora, sucumbindo às agruras da existência, perecendo sobre o sol dourado daquele dia de primavera e caindo daquela colina verde sobre o mar sereno.
Nas suas costas, uma pequena multidão negra aquietava-se, aguardando o culminar da cerimónia, cegando debaixo da luz do sol
Alguém tossicou levemente. Ela acordou do seu torpor de inércia, ergueu sua face para o alto e respirou fundo. Depois, calmamente, abriu a sua caixa preciosa. Por um momento pareceu vacilar, mas recompôs-se. Pegou num punhado de cinzas, e pousou-o no vento, num gesto enérgico e elegante.
Observou as cinzas esvaindo-se no ar, levadas pelo vento até à linha do horizonte daquele mar tão perfeito. Extasiada, alcançou punhados e punhados de cinzas, e, num último sorriso, pegou na caixa e despejou tudo nas asas da ventania.
Nunca se sentira tão triste e tão feliz como naquele momento. Chorou no meio do maior sorriso de sempre, observando a paisagem que ela escolhera. Perfeita, claro. E por isso mesmo a sua tristeza acabou por se desvanecer. Iria morrer de tédio sem ela, mas sentia-a onde queria, levada para sempre pelas correntes, sendo livre e solta de tudo. Estava entregue ao seu destino.
Olhou uma última vez o pôr-do-sol, numa despedida derradeira que demorou largos minutos. Por fim, virou-se e encarou a multidão.
- Vamos?,
e avançou resoluta pelo meio deles, de sorriso em punho e lágrima escondida atrás das lentes.

sábado, fevereiro 24, 2007

dancing in the moonlight.


No meio da turba, destacavam-se na escuridão, dançando lentamente o ritmo das suas almas. Enlaçados, parados no tempo, rostos extasiados, envolvendo-se um no outro num abraço. Como num sonho. De olhos fechados, descobriram-se sem que mais ninguém se apercebesse, no meio da multidão excitada que pululava sem descanso, indiferente.
De vez em quando olhavam-se nos olhos. E brilhavam como duas estrelas, confundindo-se com os relâmpagos epilépticos da multidão. Depois voltavam a agarrar-se, com força e pujança, para que aquele momento ou a memória dele nunca saísse disparada numa correria desenfreada e permanecesse imóvel e imutável para sempre.


Para sempre... tudo é eterno enquanto dura!

sábado, fevereiro 03, 2007

why do all good things come to an end?

Tinham sido dias de sol. Eternamente douraram sob a luz do dia, óculos de sol e roupas largas e claras, jazendo na relva. De mão dada. Sempre. Quem lhes dera ficar ali até ao fim da vida. Sem se mexerem, olhando alternadamente o céu imaculadamente azul e a tez perfeita de cada um. Mas não. O mundo não funciona assim. Um dia zangaram-se, atiraram estalos e palavras um ao outro, raivas absurdas que jamais pensaram sentir. O sol acabou, agora a chuva, penosa e molhada, sem sentimentos. De testa colada no vidro, olhos castanhos expressivos, abatidos no chão triste, observavam, sem saber, o mesmo rio de roupas escuras e cinzentas, fazendo suas as lágrimas do céu.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

may be.


Deitada na sua cama, abafada nas mantas, permanecia parada, pensativa.
Fora naquele dia que tudo começara verdadeiramente. Aquele carro, aquela música. Outrora com um constante medo da vida, e sem nunca saber o que fazer a seguir, suspirou e fez-se à estrada, chorando copiosamente. Abrira a janela de par em par e os seus cabelos flamejantes ao vento deixaram-se ir, livres e brilhantes, resistentes a tudo.
Toda a sua vida se surgiu perante si, como um filme que jamais alguém ousara cortar. Uma vivência de um só take, observada, inóspita, feliz, amargurada e resignada. Uma mistura ambivalente de sentimentos que agora sentia serem parte da vida, estrada que foi desbravando aos poucos.
Fora perdendo aqueles que jamais a tinham perdido. Revolta inicial, decerto. Anos e anos sem saber o que fazer, bradando aos ventos, levantando as mãos para o alto, sem consolo que a erguesse da letargia que insistia em alheá-la do mundo dos vivos. Mas percebia agora, na calma da sua idade, todo o significado de uma vida: a morte. Ela estava sempre aguardando, cajado na mão para não se cansar e barrete na cabeça para passar despercebida. Não adiantava gritar-lhe, tentar evitá-la ou afogá-la em lágrimas de dor por quem perecera perante a Força. The show must go on. O Verdadeiro Caminho estava noutra direcção, produzir algo de útil enquanto não fechávamos os olhos e nos calávamos para sempre, mudos de espanto. Se não útil para os outros, pelo menos útil para nós, que nos realizasse e deixasse viver de queixo erguido e passada decidida e demolidora. Uns têm mais tempo, outros extinguem-se ao virar da esquina, tropeçando na velha senhora. Mas todos tentavam aproveitar e queimaram-se alegremente, tal como ela, porque sem queimaduras, como sabemos que estamos vivos?
Tentou remexer-se mais uma vez, mas não foi capaz, e, num último suspiro de vida, sorriu com os olhos, docilmente, fechando-os depois para sempre, que o caminho fora longo e as saudades de quem tinha perdido estrada inóspita fora eram mais que muitas.

sábado, janeiro 06, 2007

toma.

Why do I even give a fuck to what that shit head has to say? She's got no friends and no life, just plenty of cash to spend and a list of people that she uses at her own will. Next time she cries like that, i'll sit on her face until she dies. Get a life!, ou em bom portugues, VAI-TE FODER.

(suspiro.)

terça-feira, janeiro 02, 2007

wish i was there.


Tropecei alegremente em direcção à janela, mar na cabeça e calor no coração. Vidro escancarado, pézinho lá fora, e nada de relva. Olhos abertos: esbarrei no prédio em frente. Fuck.

O que vale é que tu tentaste pôr o cinto no autocarro. Não, não sou o único.