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Deitada na sua cama, abafada nas mantas, permanecia parada, pensativa.
Fora naquele dia que tudo começara verdadeiramente. Aquele carro, aquela música. Outrora com um constante medo da vida, e sem nunca saber o que fazer a seguir, suspirou e fez-se à estrada, chorando copiosamente. Abrira a janela de par em par e os seus cabelos flamejantes ao vento deixaram-se ir, livres e brilhantes, resistentes a tudo.
Toda a sua vida se surgiu perante si, como um filme que jamais alguém ousara cortar. Uma vivência de um só take, observada, inóspita, feliz, amargurada e resignada. Uma mistura ambivalente de sentimentos que agora sentia serem parte da vida, estrada que foi desbravando aos poucos.
Fora perdendo aqueles que jamais a tinham perdido. Revolta inicial, decerto. Anos e anos sem saber o que fazer, bradando aos ventos, levantando as mãos para o alto, sem consolo que a erguesse da letargia que insistia em alheá-la do mundo dos vivos. Mas percebia agora, na calma da sua idade, todo o significado de uma vida: a morte. Ela estava sempre aguardando, cajado na mão para não se cansar e barrete na cabeça para passar despercebida. Não adiantava gritar-lhe, tentar evitá-la ou afogá-la em lágrimas de dor por quem perecera perante a Força. The show must go on. O Verdadeiro Caminho estava noutra direcção, produzir algo de útil enquanto não fechávamos os olhos e nos calávamos para sempre, mudos de espanto. Se não útil para os outros, pelo menos útil para nós, que nos realizasse e deixasse viver de queixo erguido e passada decidida e demolidora. Uns têm mais tempo, outros extinguem-se ao virar da esquina, tropeçando na velha senhora. Mas todos tentavam aproveitar e queimaram-se alegremente, tal como ela, porque sem queimaduras, como sabemos que estamos vivos?
Tentou remexer-se mais uma vez, mas não foi capaz, e, num último suspiro de vida, sorriu com os olhos, docilmente, fechando-os depois para sempre, que o caminho fora longo e as saudades de quem tinha perdido estrada inóspita fora eram mais que muitas.
6 comentários:
Como eu gosto dela :)
Gostei do texto, oh tu que és alto.*
agora já sei o segredo da "Mariana"!
antes de acabar quero semicerrar os olhos e ver entre frestas ainda o que mais me fez inspirar de sonho.
o meu afilhado tem um blog =)
com uma madrinha escritora, só podia! :)
além da foto, é como o fim mais fantástico de uma série, nunca antes visto. Confesso que deitei a lágrima com este final dos sete palmos de terra.
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