Ao sair do metro, desci a rua pé ante pé, mirando tudo e todos com inusitada curiosidade. Olhos sonolentos e pernas dormentes, escorreguei alegremente rua abaixo, sem rumo nem norte que me guiasse. Sabe tão bem. Não ter um destino certo. Poder navegar pela calçada, ser turista no nosso próprio mundo. Fingir que nunca vimos isto, e aquilo, e aquela cor tão berrante, e aquele cruzamento tão perigoso onde fantasiei aquela história infindável de loucura e sonolência.
Até a luz que me bate nos olhos é outra. Forte sem queimar, suave sem desaparecer, um fio ténue de vida que me ilumina o caminho que eu finjo não saber qual é. E agora, para a esquerda? Em frente, pelo meio do jardim até ao precipício que eu sei que existe mas que não hesitarei em alcançar porque neste momento de nada sei? Ou para a direita, rua abaixo, pequenos formigueiros humanos entre a parede e os carros, aos gritos pela injustiça da vida?
Direita, claro. Que mesmo sabendo que não posso saber que está ali o mar, para ali me chamam, as pessoas, os animais, as árvores, para ali vou eu. Em passo acelerado, descontrolado, levado quase em mãos pela turba citadina. Olho para a direita. Relâmpagos de noites mal bebidas, chafurdando na sarjeta daquelas ruas estreitas de cigarro numa mão e companheiros de Baco na outra. Que estranho agora auscultar aquele pulmão da cidade de dia, deserto de pessoas, com grávidos de cerveja tropeçando nos degraus das casas. Tamanha diferença quase me faz imobilizar meu pesado corpo ali, mas não consigo. A descida é demasiado fácil, e a praça já ali está, povoada de seres como sempre. Mas são seres diferentes, com tarefas e afazeres variados, que não se quedam prostrados nos bancos à conversa. Estranho, muito estranho.
(e, de repente, já não me sinto tão livre e leve como a tal pena do outro, e navegar sem norte não é já tão glorioso, que a nau desfraldou-se e postrou-se à deriva, sem a possibilidade de variados destinos à sua escolha. Não, não é bom não ter destino certo. O que é bom, é poder escolhe-los. Basta ter a coragem de o fazer. E isso, olha que merda!, é dificilzinho. Damn.)
4 comentários:
És o meu melhor amigo. Sabias? Que saudades...
Quando é que foste ao Bairro de dia e ficaste a pensar nesse texto todo? Um beijo e um queijo, Carv.
damn, you're good.
sim, os teus textos são lindos e perfeitos. nós já sabemos. Mas a relação tempo <-> qualidade não tem de ser assim! Porque raio é que demoramos tanto tempo a introduzir novidades por cá? Ai...
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