terça-feira, abril 24, 2007
how to save a life.
Odeio casais felizes.
A maneira como se passeiam ostensivamente na rua, mão entrelaçada e olhar sonhador. O modo como entram sorrateiramente no cinema e se põem à minha frente, gemendo deliciosamente. Como se olham intensamente, sem falarem, comunicando telepaticamente sentimentos recentes e com laivos de eternidade. A maneira como brilham mais que todos os outros. Como se beijam torridamente no início, no meio e no fim do seu tete-a-tete, como se quisessem parar naquele momento para sempre e nunca mais sair dele, fotografá-lo e emoldurá-lo com pompa e circunstância no meio de uma salva de palmas. O modo como sonham e mordem o lábio de desejo e saudade. A maneira como gritam no vácuo da sua imaginação o nome da pessoa amada. A maneira como ouvem uma música on and on porque a escolheram para simbolizar o seu amor. O facto de não se largarem. O modo como se beijam ternamente num semáforo que dura três segundos e meio, e riem entusiasticamente quando a pessoa de trás (eu) apita freneticamente, que tenho uma vida lá fora. A mania de ajeitarem o cachecol e o chapéu um do outro, para que tudo rime e nada soe falso. O apego constante ao telemóvel, o sorriso quando atendem que não se apaga quando desligam, a raiva e as lágrimas quando a bateria falha. A maneira como dizem o nome da pessoa amada, com mel e sonoridade únicas, fazendo o nome propagar no ar e zunir nos ouvidos, perfeito e límpido. Os joguinhos de sedução em que um finge que não quer nada com o outro mas afinal já quer e fica chateado quando o outro não quer e chora baba e ranho e depois descobre que afinal foi tudo um equívoco que a pessoa nunca se foi embora e que o seu gâmbito de ser feliz para sempre ainda se pode realizar a tempo e horas. O facto de acharem tudo uma seca se o consorte não estiver presente, a maneira como correm em direcção ao fim do mundo para vê-lo, nem que seja por dez minutos. A maneira como se seguem para todo o lado, lapas recheadas de sillyness, rindo por tudo e por nada com um riso bem colocado e audível, para que todos percebam que estamos perante a felicidade alheia. A quantidade de vezes que ela escreve o nome dos filhos com os nomes próprios e os quatro apelidos perfeitos para melhor se adaptarem à vida perfeita na casa perfeita com os cães perfeitos, os carros perfeitos, os empregos bem remunerados e reluzentes de tão perfeitos, as empregadas portuguesas e perfeitas, o jardim perfeito e a escola perfeita, tudo a condizer numa bimbice cor-de-rosa e bege. A maneira como ele a enche de presentes idiotas que ela olha com cara de má porque acha um desperdício de dinheiro, mas que não lhe faz muita impressão porque a sua ideia de perfeição familiar tem que começar por algum lado. O modo como morrem um pelo outro, os ciúmes idiotas que sentem de cada barata que se aproxima, o medo que têm de chegar ao fim da linha e saber que todo o verão tem um fim. A mania de que esse dia nunca vai chegar.
(mas não consigo deixar de sorrir apanascadamente por detrás dos meus óculos de sol quando os vejo subindo o Chiado, ela apoiada no braço dele, agarrando para não largar, rindo para o sol, e a ele, rindo condescendentemente para ela, feliz da tarde perfeita dourada pela luz solar ainda mais perfeita que só pode augurar, ora essa, a perfeição de toda uma vida. Ai! [suspiro]).
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7 comentários:
Adorei. E é tão verdade tudo o que escreveste. Mas só nos aperecebemos que é verdade quando estamos de fora...quando vemos os tais "casais felizes".
Sei que um dia vou olhar para ti assim, com uma invejinha saudável. :)
"os ciúmes idiotas que sentem de cada barata que se aproxima", acho lindo! lol
pronto. é daqueles posts que gostava de ter escrito. parece tão bom, que irrita ainda mais.
também me irrita teres escrito tão bem :D
Ai digo eu. Este teu talento, oh Carvalheda Mendes.
Não o conhecia assim, menino Manuel Carvalheda ;)
E gostei bastante! :)
Beijinho,
Joana
Uma verdade desconcertante, grande post!
looooool
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