domingo, junho 10, 2007
one day in sunny June.
Sentei-me debaixo do sol, óculos escuros e livro. Não do sol da praia. Do sol do campo, daquele que queima sem ser insuportável. Na quietude da pradaria do sul perdido deitei-me e esperei. Esperei que os pensamentos me assaltassem, que a minha vida me passasse trinta vezes à frente e fosse quadrilhada outras trinta e tomadas resoluções nunca cumpridas que fazemos para acalmar o ego desconfiado da decadência.
Dei por mim a pensar em ti. Dos anos que passaram desde a ultima vez que nos tocámos. Dos milénios que passaram desde que caiu o Carmo e a Trindade atrás do Carmo naquela parede de rua estreita. O tempo que passou desde cartões de credito estoirados e saldo bancário no vermelho. E dou por mim a suspirar. É engraçado como o tempo suaviza as coisas, levanta de mansinho e leva para o recanto do cérebro onde acumulamos as folhas soltas, aquelas em que nunca tocamos e que se enchem de pó, e nos fazem espirrar quando nelas pegamos. Os tempos de cólera deram lugar à indiferença, a implacabilidade deu lugar à indiferença. Indiferença profunda. Tão profunda que já nem possibilitas um texto poético, calejado e metafórico, a comparar-te a demónios e Heras malvadas. Já só mereces esta prosa, sem sal, corrida, sem emoção ou ardor. E é triste, que não há nada melhor que ter um ódio de estimação. Odiar tão visceralmente ao ponto de sentir o sangue a correr. Já não és uma folha solta, levaste um carimbo em cima, castanho e comido pelo tempo, e foste despachada para o arquivo. E agora só me vou lembrar de ti cada vez que me puser ao sol e começar a pensar na vida. Se tanto. Porque daqui a dois minutos já vou estar a pensar que devia vir morar para o campo e que tenho que ler o livro que tenho na mão, que ele não é meu e a dona há-de dar pela falta dele.
Que pena.
quinta-feira, junho 07, 2007
don't shiver.
Todas as noites era o mesmo. Alcatrão fora, o carro roncava solitariamente, saltando de faixa em faixa. Depois virava à direita, passava junto aos pássaros que pareciam o que não eram, curvava perigosamente pela terreola e estacava, de súbito, no início daquela descida. Deslizava de mansinho, até parar lá em baixo, arfante. Uma porta abria-se, uma pessoa precipitava-se lá para dentro e o vento fechava a porta, enquanto a luz se apagava e o silêncio quedava-se de novo, naquele recanto escondido da montanha do mar.
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