domingo, março 11, 2007

volta depressa, por favor.


Tinha chegado a hora. Tremendo por detrás dos seus óculos de sol, com dezenas de olhos cravados em si, apertou a pequena caixinha de madeira contra o seu peito. Toda a sua vida estava ali. A sua razão de respirar ainda e sempre cada sopro de ar. Temia engasgar-se, agora, sucumbindo às agruras da existência, perecendo sobre o sol dourado daquele dia de primavera e caindo daquela colina verde sobre o mar sereno.
Nas suas costas, uma pequena multidão negra aquietava-se, aguardando o culminar da cerimónia, cegando debaixo da luz do sol
Alguém tossicou levemente. Ela acordou do seu torpor de inércia, ergueu sua face para o alto e respirou fundo. Depois, calmamente, abriu a sua caixa preciosa. Por um momento pareceu vacilar, mas recompôs-se. Pegou num punhado de cinzas, e pousou-o no vento, num gesto enérgico e elegante.
Observou as cinzas esvaindo-se no ar, levadas pelo vento até à linha do horizonte daquele mar tão perfeito. Extasiada, alcançou punhados e punhados de cinzas, e, num último sorriso, pegou na caixa e despejou tudo nas asas da ventania.
Nunca se sentira tão triste e tão feliz como naquele momento. Chorou no meio do maior sorriso de sempre, observando a paisagem que ela escolhera. Perfeita, claro. E por isso mesmo a sua tristeza acabou por se desvanecer. Iria morrer de tédio sem ela, mas sentia-a onde queria, levada para sempre pelas correntes, sendo livre e solta de tudo. Estava entregue ao seu destino.
Olhou uma última vez o pôr-do-sol, numa despedida derradeira que demorou largos minutos. Por fim, virou-se e encarou a multidão.
- Vamos?,
e avançou resoluta pelo meio deles, de sorriso em punho e lágrima escondida atrás das lentes.

1 comentário:

Cate disse...

Amei este texto, seu estupido. :')